Pedaços de Alcongosta

Instantâneos da Terra da Cereja

Depois do golpe profundo sofrido com a emigração e migração da década de 60, que se continuou a verificar ao longo dos anos, embora de forma menos acentuada, a sangria da nossa freguesia prossegue como uma locomotiva sem freio. De acordo com os dados preliminares dos Censos, nos últimos dez anos Alcongosta perdeu mais de cem habitantes. De 573 em 2001, tem actualmente 468 residentes. Uma redução substancial, superior a 20 % da população.

O cenário generaliza-se um pouco por todo o Interior do território nacional, mas isso não nos deve impedir de reflectir sobre as causas de tal êxodo no nosso pequeno microcosmos e questionarmo-nos se fizemos o que estava ao nosso alcance para inverter a situação, se fomos além da lamúria e procurámos soluções alternativas para os problemas, se usámos a criatividade e esforço para subirmos mais um degrau na escalada do desenvolvimento, se nos sentámos porque as verbas para investimento não nos caíram no colo em vez de sermos pró-activos e irmos à procura de outras fontes, se pugnámos por criar condições de atractividade para contrariar este caudal dos que partem, se o bem estar colectivo é uma prioridade.

Os factores extrínsecos acabam por manietar algumas vontades, mas mesmo em condições adversas, querendo, é possível fazer a diferença, por mais pequena que seja. Ajuda não encarar como uma fatalidade cada decisão que nos impingem, sem questionar, sem negociar contrapartidas, olhando apenas para os factores economicistas, sem perceber que por cada serviço que encerra, por cada escola que fecha, o futuro da terra fica com o horizonte cada vez mais longínquo.

Dos muitos que saem para prosseguir estudos, contam-se pelos dedos das mãos os que voltaram. Quem casa sai e vai morar para o Fundão. Quem é de cá prefere resignar-se com a qualidade a que o ensino chegou, com uns quantos alunos todos na mesma sala, e em vez de reivindicar outras condições, questionar métodos pedagógicos de professores eventualmente desmotivados, antes levam os filhos para outras paragens.

Socialmente, poucas são as iniciativas desenvolvidas em prol da comunidade quer pelos seus representantes quer por nós, individualmente, porque não há aqui essa cultura do contributo para o bem comum. Temos uma Liga dos Amigos inactiva, um Clube que há muito deixou de ser um espaço agremiador. Felizmente há um centro de dia para dar alguma resposta à população cada vez mais envelhecida, mas não se ouve falar em actividades que estimulem o seu convívio. Os nossos seniores, ao contrário dos de outros sítios, não têm um bailarico, não vão assistir ao programa-pastilha do gordo da televisão.

Somos a terra da cereja, da fruta, o sector que ainda vai criando emprego. Em boa hora houve a sensatez de transferir a Festa da Cereja para o seu berço, fazer as pessoas envolverem-se e dar-lhe projecção. Só que não é isso que cria postos de trabalho ou vai fixar pessoas. Desmontado o arraial, o folclore só regressa no ano seguinte, quando mais uns quantos habitantes já deixaram de o ser.

Poderíamos olhar para o nosso meio empresarial, não fosse ele inexistente, agricultura à parte. Esgota-se nos cafés, numa serralharia e num negócio de transformação de fruta. Não se consegue captar investimento externo e quem é de cá também não o faz.

A culpa da sangria é de todos nós, que não nos dispomos a criar dinâmicas que valorizem a nossa aldeia. É minha, do meu vizinho, da generalidade dos meus conterrâneos, dos que ficaram e dos que partiram. E é também de quem foi eleito para defender os nossos interesses, para pôr em prática medidas que evitem a nossa menoridade.

Segundo a proposta em cima da mesa para a reforma da administração local, Alcongosta vai deixar de ser freguesia e terá de se fundir com uma povoação vizinha. À luz dos critérios apresentados, passíveis de discussão, Alcongosta não se enquadra nos parâmetros para continuar a ser freguesia por apenas 32 pessoas. As que faltam para atingir as 500 que uma área predominantemente rural num concelho com a tipologia do Fundão tem de ter.

Dada a tangente, essa é possivelmente uma questão contornável. A verificar-se, vislumbro um maior ostracismo, uma aceleração em direcção à desertificação galopante e ao esquecimento. E Alcongosta continuará com o futuro eternamente adiado.

2 comentários:

verga direita disse...

Até me levanto para bater palmas, muito bem dito!!!

Anónimo disse...

granda verga

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