Pedaços de Alcongosta

Instantâneos da Terra da Cereja

O Ti Zé da Encarnação esteve sábado numa loja em Lisboa a trabalhar ao vivo e o jornal i foi conhecer o artesão de Alcongosta.


Não será o último esparteiro, uma vez que de um curso ministrado há poucos anos pelo próprio saíram duas ou três pessoas que deram seguimento ao que aprenderam e até fazem peças para venda, mas é certamente o mais conversador e o que pode falar com maior propriedade desta arte que em tempos era a base do sustento de largas dezenas de famílias na Terra da Cereja.

Zé da Encarnação: O último esparteiro do país

Tem 88 anos e vive no Fundão, na Beira Baixa. Desde miúdo que transforma esparto, as ervas altas e fortes, em seiras, indispensáveis, em tempo, à produção do azeite. Hoje corre o país em feiras de artesanato a mostrar a sua arte

“Senhor?” José da Encarnação, o último esparteiro do país, repete esta expressão várias vezes durante a conversa. Os ouvidos já não são o que eram depois de 88 anos de vida habituados à pronúncia da serra da Gardunha.

Antes de nos adiantarmos mais, o melhor é dar-lhe já algumas explicações técnicas, para que o leitor perceba do que falamos. O esparto é uma erva forte que se encontra um pouco por todo o país, nas serras, mas principalmente na serra da Gardunha, na Beira Baixa, onde Zé da Encarnação ainda hoje se abastece. “E também é bom para palitar os dentes”, e faz uma demonstração sorridente da qualidade da erva.

O esparteiro é um artesão que trabalha esta erva, a apanha e seca, transformando-a depois em artesanato.

Chegamos finalmente à seira, um objecto redondo, onde antigamente se fazia o azeite, ocupação de Zé da Encarnação até à chegada das máquinas que tomaram conta do azeite nos lagares. A partir daí tornou-se comerciante de fruta e depois motorista.

Fomos encontrar este artesão em Lisboa, no sábado, na loja Zazou Bazar & Café, a fazer uma demonstração da sua arte. Zé da Encarnação transforma esparto em seiras, ofício que aprendeu era ainda um catraio acabado de sair da quarta classe: “Antigamente era assim, aprendíamos a arte com os pais. Não é como agora, que os miúdos têm de ir para o colégio e não aprendem arte com os pais”, explica, enquanto das suas mãos nasce um tapete de esparto a cheirar a campo enquanto o diabo esfrega o olho.

Zé da Encarnação é falador e bem-disposto. Gosta de contar a vida toda e de improvisar rimas a propósito de tudo.

Se lhe perguntam quanto tempo demora a fazer uma seira, responde muito depressa: “Depende da habilidade, se tiver a dormir demora mais tempo”, e ri- -se muito. Lá lhe conseguimos arrancar um “dois dias, vá”, com uma explicação mais apurada: “Dantes os dias tinham mais horas, porque tinha de enviar isto para o lagar o mais rápido possível. Trabalhava todo o dia e toda a noite se fosse preciso.”

O amor pela sua arte voltou a chamá-lo na reforma e hoje corre o país em feiras de artesanato: “Gosto do convívio com as pessoas. Às vezes seca-me as palavras de tanto falar.” Só disse que não a uma: “Convidaram--me para ir à FIL, dez dias. Sabe quanto é que me pagavam? Setenta euros. Disse-lhes que não.”

Depois do Natal já tem outra feira planeada: “Como as filhós, em casa, e depois vou para Seia.”

Em jeito de despedida, porque se faz tarde e tem de voltar ao Fundão, onde vive, larga mais uma rima e uma lição: “É preciso é comer e ver e fazer para o ter. Quem tem saúde e liberdade é rico e não o sabe.”



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